Etarismo: o curso da vida é envelhecer
- Clarice Lima
- 20 de abr. de 2023
- 3 min de leitura
Atualizado: 10 de mar. de 2024
O curso natural da vida é envelhecer. É triste ver que pessoas que já viveram tanto são diminuídas justamente por um feito que deveria ser admirado

“Mulheres, não deixem que ninguém diga que o seu auge já passou. Não desistam.” Michelle Yeoh, atriz sino-malaia vencedora do Oscar, deixou essa mensagem em seu discurso de agradecimento ao receber o prêmio de Melhor Atriz, na premiação de 2023. O timing casou com o momento em que ficamos todos revoltados com o vídeo de três jovens despejando ignorância e preconceito com uma colega de sala com mais de 40 anos. “Era para estar aposentada”, disseram.
É triste que, em um país onde os estudos e previsões mostram que a tendência é o envelhecimento da população, o etarismo ainda esteja tão enraizado na sociedade. Etarismo, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), é o preconceito em relação à idade e surge quando ela é usada para categorizar e dividir as pessoas de maneira a causar prejuízos, desvantagens e injustiças.
O IBGE divulgou um estudo em 2022, onde mostra que a população com mais de 30 anos (aqueles que provavelmente muitos já consideram “velhos”), aumentou de 99,1 milhões para 119,3 milhões no intervalo entre 2012 e 2021. Apesar de não estar incluso nesse estudo uma nova perspectiva pós-pandemia e ainda não termos os dados do censo 2022, a tendência da população brasileira (e mundial) é a de envelhecer.
Vejam bem, não faz sentido ainda sermos tão preconceituosos com as pessoas mais velhas. O curso natural da vida é envelhecer. É triste ver que pessoas que já viveram tanto são diminuídas justamente por um feito que deveria ser admirado, como costuma acontecer em aldeias indígenas. Na tradição Kaigang, por exemplo, os mais velhos são os conselheiros da aldeia.
E como não é novidade, o etarismo se torna ainda mais cruel quando pesa sobre mulheres. Somos sempre julgadas, pressionadas e tentam nos encaixar em padrões impossíveis diariamente. Quando envelhecemos, isso não muda. Alessandra Negrini, atriz de “Travessia”, contou em entrevista recente que recebe inúmeros elogios que exaltam sua beleza apesar da idade. Alessandra desabafou: “Acho um saco a pessoa chegar e falar sempre que eu estou bem aos 52 anos, que não pareço a idade que tenho. Não gosto desses julgamentos. Eu sou eu e pronto!”.
Xuxa, eterna rainha dos baixinhos, tem sido uma grande referência quando se trata do debate sobre o envelhecimento feminino. Ela sempre é alvo de comentários sobre sua idade quando posta fotos ou faz aparições públicas. Apesar disso, aos 60 anos, Xuxa afirma: “Estou no auge [do] que um ser humano pode alcançar como amante, como mulher, como mãe”.
Entretanto, esse tratamento não aparece dessa forma para homens na mesma faixa de idade, ou até mais velhos. Quantas novelas ou filmes você já assistiu onde o cara mais velho é galã e descolado, com uma parceira romântica muito mais nova do que ele? A novela Império, por exemplo, que foi ao ar em 2014 e teve como protagonista Alexandre Nero, retratava o relacionamento dele com a personagem de Marina Ruy Barbosa, na época com 18 anos. Já Alexandre tinha 44 anos, com uma diferença de 26 anos. Quantas vezes você viu uma mulher sendo a protagonista e vivendo um romance nesse mesmo cenário?
O etarismo, assim como tanto outros ismos, machuca, destrói e deve ser combatido. As pessoas vivem e envelhecem, as mulheres vivem e envelhecem. E tá tudo bem, esse é o curso natural da vida. Segregar ou diminuir pessoas com base na idade delas reforça padrões inalcançáveis. Deixo aqui uma frase de Marieta Severo, porque acho que evoluir e aprender é sempre uma benção: “Posso estar toda enrugada, mas quero os meus neurônios todos funcionando. Porque aí invento a minha vida”.
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