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Motel Destino e o erotismo como fazer político

  • Foto do escritor: José Herculino
    José Herculino
  • 6 de ago. de 2024
  • 3 min de leitura

O ComCultura teve acesso ao filme com antecedência em uma cabine de imprensa, na última sexta-feira (2) 

No primeiro plano, vemos uma mulher negra de cabelos cacheados de perfil, no segundo, um homem negro de cabelo curto a olha e, em terceiro plano, no fundo da imagem, um homem branco está deitado em uma cama com as mãos na cabeça. Todos estão sem camisa.
Foto: Reprodução/G1

O mar banha o litoral do Ceará de uma ponta à outra do estado; de Jericoacoara à Canoa Quebrada. O rumor do vai e vem das ondas embala as histórias de milhões de cearenses. Em Pontal, cidade fictícia do filme Motel Destino, não é diferente. Mas outro som envolve o thriller erótico de Karim Aïnouz: - além dos barulhos da água batendo na costa, da espuma branca dissolvendo-se ao relento e do vento espalhando a maresia responsável por corroer os eletrodomésticos - a zoada do sexo. Os conflitos vividos por Haroldo (Iago Xavier), Dayana (Nataly Rocha) e Elias (Fábio Assunção) desenrolam-se nos cantos da instalação do título e são acompanhados por sons de gemidos, tapas, gritos de prazer - e de dor -, orgasmos e ranger de molas que vêm de todos os lados. Quando os sons partem deles, porém, as coisas ficam perigosas.


O longa-metragem acompanha Haroldo na sua fuga de uma chefona do crime, após a morte do seu irmão mais velho, interpretado por Renan Capivara. Com uma fotografia assinada por Hélène Louvart (A Vida Invisível), que realça os cenários com cores vivas à la Pedro Almodóvar, o personagem do estreante “Mazé” - o qual entrega um monólogo sobre violência doméstica de marejar os olhos - vê-se emaranhado em uma trama digna de um film noir. Talado por visões ensolaradas de um passado que lhe faz falta e por visões em neon de um presente corrompido, ele não tem para onde ir. Então, resta-lhe entrar de cabeça em um “trisal” composto pela sua chefe desequilibrada, Dayana, e pelo marido enrustido, Elias. Enfrentar o passado faz parte do arco do protagonista, mas, no final, o seu papel social é novamente enfatizado e a tragédia é inevitável, algo típico do gênero noir.


O filme carrega um humor obsceno, sem ser escrachado, e muita musicalidade - ponto positivo para os muitos usos do sucesso “Pega o Guanabara”. Seu terceiro ato, que, primeiramente, parece caminhar para um banho de sangue desnudo, detém-se no simbolismo que perdura todo o roteiro. Assinado por Aïnouz, Maurício Zacharias e Wislan Esmeraldo, o texto é pincelado pelo surrealismo abrasileirado e por repressões, seja de um passado sombrio ou de desejos aflorados pela chegada de “carne nova” ao motel de beira de estrada.


Motel Destino é o primeiro longa em português do diretor cearense pós-governo Bolsonaro e não poderia ser mais político. Em meio a uma onda de conservadorismo que assola o Brasil e o mundo, com cada vez mais jovens rendendo-se a ideologias que condenam o pleno debate sobre sexo e sexualidade, principalmente em produtos midiáticos, Karim proporciona closes em nádegas, pênis e vaginas e escreve diálogos bem humorados sobre brinquedos sexuais. Além de exibir o coito "fetichizado" que cutuca ou excita o espectador, dependendo do seu grau de identificação com o voyeurismo. É uma ode desafiadora dos antigos valores, resgatados e difundidos com uma nova roupagem, mais jovial, porém ainda destrutivos.


Após exibição no Festival de Cinema Cannes de 2024, o filme de Karim Aïnouz foi aplaudido por notáveis 12 minutos, o que não foi suficiente para unir a crítica especializada, sendo recebido com primeiras impressões mistas. A revista francesa Les Inrockuptibles declarou que “o cineasta brasileiro nos propulsa para dentro de um motel sujo e assina um exercício de estilo sem profundidade”. Talvez a partir de um visão nortista, acostumada com melodramas que representam a América Latina regrados de clichês, o que é feito em Motel Destino não aparente ter a profundidade que tem. Mas para um mercado cinematográfico que goza de narrativas originais, às vezes trágicas e grotescas, contudo,  ainda assim, palpáveis, o longa trata-se de um belo retrato do cinema brasileiro.


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