Nickel Boys: Um mergulho nos horrores dos reformatórios de uma América segregacionista
- Arthur Brito
- 26 de fev.
- 3 min de leitura
A trama, indicada nas categorias de Melhor Filme e Melhor Roteiro Adaptado, aborda as adversidades vivenciadas por dois jovens afro-americanos em um reformatório na Flórida

Em meados dos anos 1960, os Estados Unidos viviam um momento-chave para a política de segregação racial que perdurava no país. As chamadas leis de Jim Crow, como eram conhecidas o conjunto de legislações locais que institucionalizavam o racismo, ainda tinham grande influência em praticamente todos os estados do sul. Na Flórida, por exemplo, instituições como escolas e reformatórios eram estritamente divididas entre “garotos brancos” e “garotos negros”.
É nesse contexto que Nickel Boys ganha vida, baseado nos horrores do reformatório Arthur G. Dozier, também conhecido como Florida School for Boys ou Dozier School for Boys. O drama, dirigido pelo jovem diretor RaMell Ross, que em 2019 concorreu ao Oscar de “Melhor documentário em longa-metragem” com “Hale County This Morning, This Evening”, se arrisca com uma maneira ousada de adaptar o romance de mesmo nome, escrito pelo autor Colson Whitehead e publicado em 2019. A produção é filmada majoritariamente sob uma perspectiva em primeira pessoa, apostando suas fichas em proporcionar uma experiência amplamente imersiva ao público. O diretor também revelou, durante apresentação na 62ª edição do Festival de Cinema de Nova York, que teve grande inspiração nas obras do diretor Barry Jenkins, especialmente “Moonlight”, que levou três estatuetas no Oscar 2017, incluindo na categoria Melhor Filme.
Inicialmente, a trama nos coloca na pele de Elwood Curtis (Ethan Herisse), um jovem estudante e ativista afro-americano que vive com sua avó, Hattie (Aunjanue Ellis), carinhosamente chamada por ele de Nana. Elwood estava prestes a ingressar na escola técnica Melvin Griggs, quando é parado pela polícia e se torna vítima do que o filme define ironicamente como “um clássico erro judiciário”, problema que segue ocorrendo frequentemente com a população negra norte-americana até os dias de hoje. Por consequência, o jovem é enviado para um reformatório para jovens infratores, a Nickel Academy. É lá onde a obra nos conecta ao ponto de vista da segunda figura central do enredo, um jovem negro do Texas chamado Jack Turner (Brandon Wilson).
Diferentemente de Elwood, o texano é um garoto sem um contexto familiar de apoio e já veterano em Nickel, o que faz com que ele tenha uma visão de mundo completamente diferente do novato. Enquanto este demonstra um espírito de otimismo e constante vontade de lutar contra o sistema, Turner enxerga tudo de uma maneira mais conformista, sem esperanças para conseguir almejar grandes mudanças em seu modo de vida. É nesse ping-pong de personalidades que o longa desenvolve o fortalecimento do laço entre a dupla, ao ponto em que os amigos encontram um no outro um refúgio de confiança e resistência às lutas que precisavam travar diariamente, tanto no reformatório quanto na vida.
Nickel Boys conta com um roteiro sólido e boas atuações, com a capacidade de envolver narrativamente. Contudo, são seus aspectos técnicos, aliados ao uso da câmera em primeira pessoa, que dão um toque imprescindível para atingir com êxito sua premissa de proporcionar uma verdadeira imersão ao espectador. A fotografia e direção de imagens, além de serem esteticamente impecáveis, também fazem um ótimo trabalho de contextualização histórica. O filme utiliza desde citações diretas, como inserções de trechos de discursos de Martin Luther King Jr. e de vídeos, fotos e notícias reais dos reformatórios, a elementos sutis, como a presença de um crocodilo em algumas cenas, que pode ser interpretada como uma metáfora da expressão racista “alligator bait” (isca para jacaré), direcionada a crianças negras no período da escravidão. Um dos pontos mais altos do filme, sem dúvidas, é também sua produção sonora, a ponto de surpreender não ter angariado uma indicação na categoria “Melhor Som”.
Imersivo e experimental, o drama é uma obra que consegue imprimir emoção e angústia à medida que lhe envolve cada vez mais naqueles pontos de vista, com uma sequência de cenas finais que culminam em um genuíno suspiro para quem assiste. Apesar de bem recebido pela crítica, Nickel Boys não ganhou tanta atenção e apelo da mídia quanto seus concorrentes na categoria de “Melhor Filme”, fazendo com que corra por fora dos holofotes na briga pela estatueta.
O longa-metragem não entrou em cartaz nos cinemas brasileiros, mas chega ao streaming no dia 27 de fevereiro, pela Amazon Prime Video.
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