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Religião, poder e ambição: o que Conclave tem a dizer sobre o Vaticano?

  • Débora Dias
  • 26 de fev.
  • 4 min de leitura

Atualizado: 27 de fev.

O filme Conclave de Edward Berger, roteirizado por Peter Straughan, trata-se de uma produção britânico-estadunidense de mistério e suspense, baseado no livro de Robert Harris,  que retrata o contexto de eleição de um novo papa, o conclave.


Ralph Fiennes em um cena de Conclave, de Edward Berger / Imagem: divulgação
Ralph Fiennes em um cena de Conclave, de Edward Berger / Imagem: divulgação

Após a morte do papa, é necessário convocar o colégio de cardeais para a eleição do novo pontífice, através de um ritual secreto da Igreja Católica. Reunidos nos corredores do Vaticano, os cardeais movidos por diferentes interesses políticos e ideológicos decidem, através de sucessivas eleições, quem irá assumir o mais alto cargo da hierarquia católica. 


A obra acompanha o cardeal-decano Thomas Lawrence, o responsável por assumir o conclave. A produção rendeu um total de 8 indicações ao Oscar 2025, dentre elas as categorias de Melhor Filme, Melhor Ator e Melhor Atriz Coadjuvante.


Uma característica do filme de Edward Berger de grande destaque é a direção de fotografia. A obra é composta por enquadramentos impactantes, transmitindo ao espectador uma sensação quase claustrofóbica — algo coerente, afinal, o conclave reúne os cardeais em uma eleição secreta dentro de um espaço restrito. O espectador é arrematado ao contexto de confinamento, à medida que as cenas ocorrem, em sua maioria, em espaços limitados, o que somado à sonoplastia ocasiona um envolvimento emocional maior e uma imersão mais significativa no contexto retratado na tela. 


A sonoplastia da trama é, de fato, impecável e há um foco perturbador nos detalhes, como ocorre em um bom suspense. É um filme em que o ruído da porta abrindo e dos sapatos tocando o solo, chamam a atenção. A fusão entre sons e imagens produz sentidos e adiciona camadas de suspense à trama. A direção de arte do filme é espetacular e contribui para a coesão da história. O conjunto de detalhes resulta na obra primorosa que é Conclave, mantendo o espectador preso à tela. O contraste nas vestimentas e nos objetos, aliado à iluminação, cria uma atmosfera extremamente envolvente.


A criação bem-sucedida de uma ambientação que se conecta ao contexto do filme e envolve o espectador é também observada em Nada de Novo no Front, do mesmo diretor. Assim como Conclave, trata-se de uma adaptação que deu certo. Ambos os filmes apresentam uma abordagem audiovisual impecável, e não por acaso  as duas obras de Edward Berger acumularam indicações. Nada de novo no front, venceu, inclusive, nas categorias de Melhor Filme Internacional e Melhor Fotografia na edição do Oscar em 2023. 


"De certa forma, Conclave e Nada de Novo no Front são sobre uma guerra. Uma é uma guerra física; a outra é uma guerra intelectual de mentes, um verdadeiro jogo de xadrez", colocou Edward Berger em uma entrevista ao portal Hammer To Nail. Assim como ambos os filmes acompanham a trajetória de um homem que precisa lidar com as pressões de um ambiente desafiador, onde cada decisão pode ter consequências irreversíveis.


Outro grande detalhe que não passa despercebido no filme é a atuação impecável do Cardeal Lawrence, interpretado por Ralph Fiennes. O ator convence com sua expressão evidentemente tensa no decorrer da trama, não à toa, concorre à categoria de Melhor Ator no Oscar 2025. Durante os preparativos para o conclave, o personagem demonstra liderança ao orientar os demais cardeais sobre os procedimentos a serem seguidos, refletindo sua autoridade e experiência. Além disso, em momentos de reflexão solitária, Fiennes transmite com sutileza as dúvidas e conflitos internos de seu personagem. A atuação de Isabella Rossellini não ficou para trás. A atriz interpretou a irmã Agnes, uma personagem silenciosa que impõe autoridade quando necessário, o show de atuação lhe rendeu a indicação à categoria de Melhor Atriz Coadjuvante.


O roteiro é também surpreendente, porém o final pode não ser o esperado para alguns. O que ocorre, na verdade, é que toda a trama pode pegar o espectador de surpresa, pois explora os desafios que envolvem a Igreja Católica e expõe alguns temas complexos relacionados à instituição: ideologias conservadores, escândalos sexuais e corrupção. Por tal motivo, e por expor que a hierarquia eclesiástica é moldada por ambição e interesses individuais, a trama pode não ser tão agradável a alguns, embora apenas desvele fatos que não se distanciam tanto do real. Como esperado, Conclave “irritou” religiosos, como no caso do bispo e teólogo americano Robert Barron.“No filme, a hierarquia da Igreja é um viveiro de ambição, corrupção e egoísmo desesperado”, se expressou em suas redes sociais.


Conclave é um filme arrebatador. Por meio de cenas tensas, reflexivas e envolventes, o suspense de Edward Berger prende o espectador do início ao fim. O jogo político fica evidente tanto nos diálogos quanto na construção das cenas de maneira geral. O filme traz discussões pertinentes, colocando frente a frente os ideais liberais da atualidade e os ideais conservadores da Igreja, prova disso é que discursos em favor de minorias sociais causam alvoroço entre os cardeais, que consideram tais pautas 'modismos' passageiros. O filme explicita bem que religião e política estão intrinsecamente ligadas, que são duas forças que possuem uma relação histórica indissociável.


A trama expõe a diferença entre possuir um título e exercer, de fato, uma função. Os cardeais na posição de autoridades e poder buscavam, antes de tudo, os próprios interesses  ao invés dos interesses da fé. A figura do conservador versus o liberal se contrapõe. Trata-se de uma briga política onde um lado tende a considerar os interesses de minorias, mas o outro acredita que isso representa  um perigo à dita santa igreja. 


Conclave é, sim, um forte candidato ao Oscar estando a altura das demais obras indicadas. Em síntese, como bem pontuado pelo roteirista Peter Straughan: A obra não é anticatólica, mas propõe uma reflexão sobre a necessidade da Igreja reencontrar seu núcleo espiritual e equilibrar fé e poder.


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