top of page

Crítica: 'Zona de Interesse' e os riscos de um filme lento demais

  • Foto do escritor: Ludmyla Barros
    Ludmyla Barros
  • 9 de mar. de 2024
  • 5 min de leitura

Atualizado: 25 de mar. de 2024

Longa foi indicado a 5 categorias no Oscar 2024: “Melhor Filme”, “Melhor Direção”, “Melhor Filme Internacional”, “Melhor Roteiro Adaptado” e “Melhor Som”


Filme se passa em uma casa ao lado do campo de extermínio de Auschwitz, na Polônia (Divulgação/Film4 Productions)

Uma mulher branca e loira, com roupas claras, caminha por um jardim bem cuidado. Duas crianças, com as mesmas características dela, a rodeiam, correndo em direção a uma piscina quadrada no meio do quadro. Visitantes se divertem neste quintal, o vozerio é de felicidade; no fundo, há uma mesa de lanches da tarde – pães, bolos, sucos, frutas; ademais, toalhas no chão, bambolês, cadeiras de sol.


Porém, no terceiro plano, entre o muro coberto de vinhas verdes e o céu azul, há uma construção que rouba totalmente atenção da cena: o topo de um prédio facilmente identificável, de tijolos escurecidos e telhados vermelhos, cuja imponência é tão grande quanto sua associação ao que há de pior na humanidade - a crueldade, a injustiça, o desespero e a dor. Ao lado daquela casa quase utópica de tão bonita está o campo de extermínio de Auschwitz, o mais letal da Segunda Guerra Mundial.


Esta é a proposta do longa-metragem inglês Zona de Interesse, de 2023, concorrente ao Oscar de Melhor Filme em 2024. Dirigido pelo britânico Jonathan Glazer, a obra conta a história da família Höss, cujo pai, Rudolf (Christian Friedel), é o comandante do Campo. O foco, no entanto, fica na mãe: Hedwig (Sandra Huller), que comanda a tal casa ao lado.


Não são mostradas cenas dentro de Auschwitz, mas sim da rotina dos Höss, das preocupações fúteis e do simples objetivo da vida da matriarca: se manter naquele espaço que lhe promove conforto, custe o que custar


Talvez a palavra que descreva o filme seja frieza. Mesmo nas cenas de carinho familiar, nas quais o comandante lê e nina os filhos, há um desconforto no ar. As cores são apagadas, uma névoa parece rodear as cenas. O Campo está lá mesmo não sendo citado. As pessoas estão sofrendo do outro lado do muro e nós sabemos disso, os personagens sabem disso e mesmo assim vemos a trama seguir como se nada estivesse acontecendo.


A genialidade está no fato disso ser proposital, claro. Os quadros abertos revelam as torres, conforme citado anteriormente, assim como os sons ambientes e a trilha sonora estridente denunciam os crimes. O som é, de fato, um grande ponto positivo, utilizado de forma lógica: pode-se tentar esconder as crueldades com muros altos, mas o genocídio nazista é barulhento, as vítimas são numerosas. Com isso, gritos são ouvidos ao longo do filme, ao fundo.


É tudo muito sorrateiro, mas de fácil compreensão. Somente algumas cenas são mais explícitas, como um momento no qual um dos filhos do casal brinca com dentes humanos; ou quando o longa corta bruscamente para o presente, em uma sequência na qual funcionárias limpam o museu do Holocausto, que existe hoje, na Polônia, em memória das vítimas dos crimes nazistas. Vítimas mortas por ordens daqueles personagens na piscina, daquele homem que lia para os filhos. Era isso o que ele fazia quando saía de casa - e de cena -, enquanto seguíamos acompanhando sua esposa.


Segundo o diretor Jonathan Glazer, a ideia era reconhecer o casal como humanos, tornando-os identificáveis. “Foi uma grande parte do horror de toda a jornada do filme, mas fiquei pensando que, se pudéssemos fazer isso, talvez nos veríamos neles. Para mim, este não é um filme sobre o passado. Está tentando ser sobre o agora, sobre nós e nossa semelhança com os perpetradores, não sobre nossa semelhança com as vítimas”, disse, em entrevista ao The Guardian.


Glazer nasceu em uma comunidade judaica, em Londres, há 58 anos. Ganhou notoriedade com videoclipes para bandas como Radiohead, além de comerciais para marcas como Guinness, Stella Artois e Levi's. O diretor estreou nas telonas com o longa "Sexy Beast" (2000), sobre gângsters britânicos, estrelado por Ray Winstone e Ben Kingsley.


O cineasta se diz criterioso e reflexivo, por isso, da estreia para cá produziu pouco em comparação com o ritmo geral da indústria: foram cinco filmes, contando com Zona de Interesse. Neste último, a produção durou 10 anos e resultou em uma obra aclamada pela crítica, com 5 indicações ao Oscar, nas categorias de: “Melhor Filme”, “Melhor Direção”, “Melhor Filme Internacional”, “Melhor Roteiro Adaptado” e “Melhor Som”.


Perda de interesse na Zona de Interesse


O filme é exitoso na ideia que o diretor quer passar, ao menos nos minutos iniciais. É chocante, tira o ar, a imagem dos nazistas tão humanos na casa, em plano aberto, com o Campo no fundo. Na sessão, pessoas apontaram e suspiraram alto no segundo em que houve o corte e a cena foi mostrada pela primeira vez. No entanto, esta se repete, e se repete, e se repete, ao longo de quase duas horas de filme, ao ponto de que as mesmas pessoas, antes impressionadas, exclamaram um “acabou, graças a Deus”, aliviado, quando os créditos subiram.


Daí entram questões: o quanto se pode repetir uma ideia e seguir com uma história sem que nada de novo ocorra? Ou: o quão devagar pode-se encaminhar uma trama a ponto de não perder o olhar do público? Ou mesmo: se realmente é tão importante prender o olhar do público, afinal, isso não é uma barganha. Ou até: se esse não era exatamente o ponto do diretor e acabamos nos tornando os culpados. Nos acostumamos com o cenário. Aquilo não nos impressiona mais e perdemos o - perdão do trocadilho - interesse.


Falando pessoalmente, uma coisa não deveria anular a outra. É possível construir uma trama que nos faça sentir acostumados com cenários ou personagens cruéis, ao mesmo tempo nos sentirmos culpados por isso, mas sem causar cansaço. Outros filmes como: O Menino do Pijama Listrado (2008), Bastardos Inglórios (2009), Jojo Rabbit (2019), fazem mais ou menos isso e com o mesmo recorte da Segunda Guerra Mundial. 


Não estou dizendo que essas obras são superiores em qualidade técnica ou semelhantes, em narrativa, a Zona de Interesse, mas elas têm algo em comum que este último não sustenta: intrigam do começo ao fim. Filmes são entretenimento e precisam envolver o público de uma forma ou de outra. O longa precisa te deixar minimamente interessado para que siga com você depois. Se não, foram duas horas e mais nada: um olho mirando uma tela.


Uma coisa é o filme ser mais lento, outra é ele te perder completamente pelo ritmo. Mesmo que seja intencional (supondo), não me parece que provocar tédio seja um ponto que valha a pena ser provado, ainda mais no contexto em que se passa esta história. E digo “(supondo)”, porque não acho que seja o caso. Em vésperas do terceiro ato, é essencial que o público receba o choque do que está acontecendo, do que Rudolf Höss está prestes a propor e fazer - ação que, vale dizer, também é dita e não mostrada. Ok, diretor nenhum tem obrigação de explicitar nada, mas nesse ponto, já estamos tão cansados que desistimos de inferir e o impacto da decisão se esvai um pouco ou é completamente despercebido.


De novo, a perda de interesse do público em uma temática tão séria é uma situação irônica e interessante no sentido epistemológico e social da coisa; nos leva a diálogos sobre limites da empatia, sobre a banalização do mal e até mesmo sobre falta de foco na sociedade atual. No entanto, ela sinaliza uma percepção ruim das pessoas em relação ao filme. Por que é aquilo: é um passo para a apatia virar antipatia e muita gente, cansada, acaba por detestar a obra e ignorar todas as reflexões que ela promove.


De modo geral, o longa é bem executado. Os atores são sutis, naturais, levemente irritados mas controlados, bem adequados aos personagens. Os toques experimentais também são bem posicionados - com algumas cenas em negativo de uma menina espalhando coisas pelo chão - apesar de sem explicação e com a necessidade de uma boa dose de “vídeos explicativos no YouTube”. No entanto, o ritmo empurra a trama, que nos empurra junto, naquela monotonia inaceitável para quem está enxergando as torres de Auschwitz no fundo da cena. 


Comments


bottom of page